Aprovação do comitê de ética em pesquisa da Escola de Saúde Pública RS protocolo nº 492/09 9

UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO SUL
FACULDADE DE MEDICINA
MESTRADO PROFISSIONAL EM EPIDEMIOLOGIA:
GESTÃO DE TECNOLOGIAS EM SAÚDE NA
LINHA DE PESQUISA DE ATENÇÃO PRIMÁRIA À SAÚDE

Carolina Santos da Silva
Orientadora: Dra. Daniela Riva Knauth

O ACOLHIMENTO AO USUÁRIO EM SOFRIMENTO PSÍQUICO NA PERSPECTIVA DOS PROFISSIONAIS DA ESTRATÉGIA DE SAÚDE DA FAMÍLIA

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1 INTRODUÇÃO

A Estratégia Saúde da Família reafirmou na Atenção Primária à Saúde algumas características como o trabalho em equipe, a adscrição de clientela e, conseqüentemente, a possibilidade de gestão por resultados, em oposição à gestão por procedimentos, assim como outras áreas em que preconiza o Sistema Único de Saúde (SUS).
Diante dos princípios do SUS evidenciamos a necessidade de produzir conhecimento acerca do Acolhimento nas Equipes de Saúde da Família e, portanto, de uma atenção integral às pessoas que vivem uma situação de sofrimento psíquico.  
Pode-se refletir sobre a formação acadêmica que os profissionais da Saúde possuem, com contextos disciplinadores arraigados, proporcionando, por vezes, atenção em saúde burocratizada, com dificuldades e limitações sobre a temática da saúde mental.
Seguindo a lógica da descentralização do SUS, foi sendo estimulada a constituição de redes de atenção psicossocial, substitutivas ao modelo centrado na referência hospitalar, resultando na criação de serviços de atenção diária de base municipal. Sobre estas redes pode-se pensar que são territórios organizados, buscando a atenção em saúde.
O Rio Grande do Sul, pioneiro no Brasil, aprovou a Lei nº. 9.716, de 07 de agosto de 1992, que dispõe sobre a Reforma Psiquiátrica no Estado e determina a substituição progressiva dos leitos nos hospitais psiquiátricos por rede de atenção integral em saúde mental; determina regras de proteção aos que padecem de sofrimento psíquico, especialmente quanto às internações psiquiátricas compulsórias, e dá outras providências (BRASIL, Ministério da Saúde, 2004a, p. 63).            
A especificidade dos conhecimentos e das práticas profissionais dá lugar à elaboração de propostas construídas no cotidiano dos serviços entre profissionais e usuários, familiares e comunidade. É dentro dessa perspectiva que surge a proposta da reabilitação psicossocial, que considera, na rede de atenção em saúde, os recursos afetivos, sanitários, culturais e sociais, potencializadores para repensarmos a clínica, auxiliando o sujeito em sofrimento psíquico a encontrar seu espaço na sociedade.
Sabe-se como é difícil implementar a reforma psiquiátrica e como são grandes os desafios, visto os retrocessos como, por exemplo, o “Ato Médico”, e as imensas discussões em torno da Lei da Reforma Psiquiátrica. Um dos maiores desafios é justamente a consolidação desses serviços de atenção diária, componente estratégico de uma política destinada a diminuir a lacuna assistencial ainda existente no atendimento a usuários com transtornos mentais.
Assim surgem os Centros de Atenção Psicossocial (CAPS), que são serviços especializados em atendimento aos usuários em sofrimento psíquico, cujo maior objetivo é evitar as internações psiquiátricas e realizar a reabilitação psicossocial.
Os CAPS são serviços que compõem a rede substitutiva aos hospitais psiquiátricos e podem ser classificados como: CAPS I, CAPS II, CAPS III, CAPSad e CAPSi, de acordo com o nível de atenção, população de referência e demanda. Estes serviços deverão ser “retaguardas” na atenção em saúde mental para o trabalho dos agentes comunitários de saúde, bem como às equipes de saúde da família.
A esses desafios acrescentam-se problemas como: a desvalorização dos trabalhadores de saúde, a precarização das relações de trabalho, o baixo investimento em processos de educação permanente em saúde desses trabalhadores, a pouca participação na gestão dos serviços e o frágil vínculo com os usuários.
Assim, tornou-se imprescindível uma produção rigorosa de conhecimento que possibilite avaliar a relação entre as perspectivas dos profissionais no acolhimento aos usuários em sofrimento psíquico e os desfechos relacionados à atenção primária à saúde.
As questões norteadoras desta pesquisa são: Quais são as maiores dificuldades dos profissionais da Estratégia Saúde da Família em acolher um usuário em sofrimento psíquico? Por que este, muitas vezes, deixa de apostar na recuperação do sujeito com sofrimento psíquico grave? Em que momentos sentem que os recursos já não são suficientes para abarcar o sofrimento gerado pelo adoecimento psíquico? Quais são as apostas dos profissionais em relação à saúde mental?

2 JUSTIFICATIVA

O SUS, ao longo de sua construção, tem afirmado a universalidade, a integralidade e a eqüidade da atenção, além de apontar para uma concepção de saúde que não se reduza à ausência de doença, mas se estenda à vida com qualidade.
Especialmente em um país como o Brasil, com profundas desigualdades socioeconômicas, permanecem vários desafios na saúde, como a ampliação do acesso com qualidade aos serviços e aos bens de saúde e a ampliação do processo de co-responsabilização entre trabalhadores, gestores e usuários nos processos de gerir e de cuidar (BRASIL, Ministério da Saúde, 2008).
No contexto da Atenção Primária, o sofrimento psíquico é subdiagnosticado, porque a maioria dos diagnósticos são definidos quando o usuário está em crise, tornando um ponto nodal da rede de atenção integral à saúde. Deste modo, as investigações que definam a qualidade do acolhimento na perspectiva dos profissionais da Estratégia de Saúde da Família em relação aos agravos são fundamentais para o direcionamento das políticas públicas no âmbito sanitário. Esta análise de processo trará indicadores para “ampliar” a discussão acerca da reforma psiquiátrica.
A prática de acolhimento pode ser entendida como “porta de entrada”, a recepção e a busca de uma solução adequada aos problemas de todos os usuários que procuram os serviços de saúde; uma tecnologia leve (MERHY, 2007), que compreende as relações e vínculos: tecendo juntos redes de cuidado integral. Independente de onde é e como, têm que ter longitudinalidade e coordenação, princípios da Atenção Primária à Saúde. A necessidade do usuário é mutante, cheia de crenças, culturas e potencialidades diversas.
A tecnologia acolhimento pode proporcionar o reordenamento das ações na Atenção Primária em Saúde, sob o prisma da saúde mental. Este reordenamento propõe que o serviço tenha uma reorganização usuário-centrada, evidenciando maior responsabilização dos atores envolvidos no processo de produção de saúde.
Não podemos pensar num trabalho de acompanhamento ao processo de reinserção social sem lançar mão de novas tecnologias em saúde. Ao agregarmos outros agentes envolvidos e comprometidos com o sujeito que sofre, como por exemplo, os profissionais da Atenção Primária à Saúde, que, segundo relato de Harzheim (2009), ao constituírem uma equipe qualificada podem resolver de 85 a 90%, dos problemas de saúde de uma comunidade, estaremos potencializando os serviços nesse nível de atenção, evitando a superlotação de hospitais. Os serviços especializados são apenas uma parte do processo de atenção em saúde.
Pensar na atenção aos usuários buscando soluções emergenciais para suprir demandas instantâneas não é suficiente. Intervir nesse contexto implica buscar mudanças significativas nas formas de olhar, de compreender e de intervir nos problemas apresentados, construindo e desconstruindo concepções, tornando-se o primeiro passo para a análise e problematização do processo em que estamos inseridos.
Esta pesquisa justifica-se pela importância do tema e pela possibilidade de entender estas relações e elaborar novas estratégias para qualificar o atendimento às pessoas em sofrimento psíquico. Dessa maneira, levantará questões que poderão contribuir com o debate acadêmico sobre os sujeitos que vivenciam essa condição, que está relacionada à grande marca da exclusão social. O estudo justifica-se, também, perante a Política de descentralização e desinstitucionalização da saúde mental.
Atualmente existem poucas pesquisas sobre a percepção dos profissionais da Estratégia Saúde da Família (ESF) no acolhimento das pessoas em sofrimento psíquico. Sendo assim, a temática da pesquisa é nova, proporcionando uma reflexão sobre Atenção Primária à Saúde no Brasil, com recorte da saúde mental.

3. QUESTÃO DE PESQUISA

Como os profissionais da ESF percebem o acolhimento dos usuários em sofrimento psíquico?

4 OBJETIVOS

        4.1 OBJETIVO GERAL

Identificar as principais dificuldades dos profissionais da ESF no acolhimento dos usuários em sofrimento psíquico.

        4.2 OBJETIVOS ESPECÍFICOS

- Compreender a concepção que os profissionais da estratégia saúde da família possuem sobre sofrimento psíquico;
- Mapear a formação que estes profissionais possuem sobre o assunto?
- Identificar as estratégias que utilizam para o acolhimento dos usuários em sofrimento psíquico;
- Conhecer as perspectivas de recuperação dos usuários portadores de sofrimento psíquico que os profissionais identificam.

5 METODOLOGIA

O projeto utilizará uma combinação de metodologias qualitativas e quantitativas. Para a construção do instrumento do estudo será realizado um grupo focal com profissionais da área da saúde e saúde mental, a fim de identificar os principais pontos a serem incluídos no instrumento. Para a validação do instrumento, será utilizada a metodologia Delphi. Por fim, o instrumento validado será aplicado nos profissionais médicos e enfermeiros que trabalham nas Unidades de Saúde da Família (USF), permitindo a discussão e aprofundamento sobre o acolhimento aos usuários em sofrimento psíquico na Atenção Primária à Saúde.

        5.1 DELINEAMENTO DO ESTUDO

Estudo transversal (a) e Estudo Delphi (b).

        5.2 ESTRATÉGIA DE COLETA

a) Grupo focal, técnica utilizada em pesquisa qualitativa com um tópico a ser explorado (VÍCTORA et al, 2000, p.64). O grupo focal consiste em um encontro com cerca de 2 horas de duração, podendo variar de acordo com a interação dos integrantes com a temática do roteiro pré-estabelecido (ANEXO A). O grupo será composto entre 8 e 14 participantes, assinarão termo de consentimento livre e esclarecido (ANEXO C) juntamente com um moderador e dois observadores. O ponto de partida para discussão neste grupo será o acolhimento em saúde mental na atenção primária a saúde.
b) Será utilizada a técnica Dephi para validação do questionário, elaborado a partir da discussão no grupo focal. Esta técnica permite obter consenso de grupo a respeito de um determinado fenômeno. O grupo é composto por “juízes” ou especialistas, ou seja, profissionais efetivamente engajados na área onde está se desenvolvendo o estudo (ANEXO B). O estudo Delphi é um processo sistemático e iterativo que difere dos métodos coletivos de consenso com interação face a face por reduzir o efeito de contaminação entre os participantes e por realizar a retroalimentação com as estatísticas geradas em cada rodada de participação. Dada a estabilização na opinião dos participantes, o estudo Delphi pode apresentar inúmeras rodadas. Ducan e Shmidt consideram que o

Delphi tem como característica principal o respeito e a valorização da experiência e do conhecimento de cada um dos participantes, que de uma forma dirigida coloca à apreciação coletiva seus julgamentos, que apesar de serem subjetivos, são resultados de um longo processo de sistematização do conhecimento adquirido na prática e transformando no julgamento individual subjetivo (1992, p. 6-7).

- O questionário elaborado através do grupo focal será enviado por meio eletrônico para cada um dos especialistas selecionados, que terá o prazo estabelecido por cronograma (7 a 10 dias entre cada rodada) para ser respondido e enviado para e-mail do estudo. As respostas serão avaliadas e o questionário retornará para o participante sempre ao final de cada rodada com a resposta e as estatísticas gerais – mediana, média e desvio. Entende-se média como o valor que aponta para onde mais se concentram os dados de uma distribuição, mediana como o número que representa o valor intermediário que separa a metade superior da metade inferior do conjunto de dados e desvio padrão sendo a média das diferenças entre o valor de cada evento e a média central.
- Neste momento se iniciará uma nova rodada de respostas ao questionário, agora tendo como subsídio as informações do “coletivo” de participantes e as observações enviadas ou mesmo sugestões de inclusão de novos itens (sumarizadas e não identificadas);
- A cada início de rodada poderão ser excluídos da lista de questões alguns itens por alcançarem, já na rodada anterior, consenso sobre a inclusão do item ou não;
- A cada rodada as respostas dadas para cada questão tendem a se concentrar, diminuindo sua dispersão. O consenso, quanto à inclusão ou não da questão, ocorre quando esta oscilação diminuir, ou seja, quando ocorrer um pequeno número de mudanças de opinião quanto ao indicador entre uma ou duas rodadas;
- Para estabilização das respostas será realizado o seguinte cálculo: a variação da amplitude relativa interquartis entre duas rodadas deverá ser inferior a 0,05 para que o tema tenha atingido a estabilidade;
- Para definir o número de rodadas de iteração do estudo se convencionará que a proporção de mudança na opinião quanto à exclusão ou inclusão do tema, na rodada anterior a final, deverá ser inferior a 10% dos participantes.
c) A coleta será realizada durante os meses novembro e dezembro de 2009, através do questionário validado através da técnica Delphi com aplicação nos profissionais médicos e enfermeiros da estratégia saúde da família dos cinqüenta e quatro municípios pertencentes a 6ª Coordenadoria Regional de Saúde do Rio Grande do Sul (ANEXO D).

        5.3 POPULAÇÃO DE PESQUISA

a) No grupo focal serão convidados 14 profissionais de nível superior com atuação na saúde mental e experiência profissional na atenção primária à saúde.  Será utilizado como critério de inserção intencional, priorizando a homogeneidade das experiências no percurso destes profissionais.
b) Para Técnica Delphi serão selecionados 36 profissionais (ANEXO B), que representam os seguintes grupos:

c) Na aplicação dos questionários a população será os profissionais médicos e enfermeiros das Unidades de Saúde da Família dos municípios pertencentes a 6ª Coordenadoria Regional de Saúde do Estado do Rio Grande do Sul (dos 58 municípios pertencentes, 54 possuem ESF) que consentirem em participar preenchendo o termo de consentimento livre e esclarecido do estudo (ANEXO D).

6 DIVULGAÇÃO DOS RESULTADOS

Após a realização da pesquisa serão feitas a análise dos dados e a elaboração de um artigo para publicação em revista científica, com possibilidade de debate acadêmico e apresentação em congressos. Também será realizada discussão, bem como devolução dos resultados da pesquisa para as equipes da SF, com objetivo de promover atenção integral aos usuários nestes serviços e ampliar a publicização do trabalho, principalmente no município em questão.

7 QUESTÕES ÉTICAS

O estudo “O acolhimento na perspectiva dos profissionais das equipes de saúde da família” será submetido à apreciação do comitê de ética em pesquisa da UFRGS e também da Escola de Saúde Pública do Rio Grande do Sul. As informações coletadas serão mantidas sob sigilo. Os sujeitos entrevistados serão convidados para colaboração na pesquisa, tornando-se voluntário o aceite, e deverão assinar o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (ANEXO D).
Em relação aos procedimentos de entrada na instituição, já foi realizado um contato inicial com a 6ª Coordenadora Regional de Saúde (ver Termo de Autorização dos Gestores, (ANEXO E, ANEXO F), bem como o núcleo de Saúde Mental e as Coordenações da Estratégia Saúde da Família dos municípios).